Por Claudia Rocha, para a série especial do Barão de Itararé*
O
 exemplo da TVT demonstra claramente a dificuldade de fazer comunicação 
no Brasil longe das iniciativas tradicionais. As emissoras que detêm as 
outorgas de rádio e TV, no país, estão formadas com base em grandes 
grupos de comunicação que praticam a propriedade cruzada (quando o mesmo
 grupo controla diversos veículos de diferentes mídias); Apesar de o 
parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição explicitar que "os meios de 
comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de 
monopólio ou oligopólio", ainda não há regulamentação efetiva sobre o 
assunto.
As
 primeiras iniciativas em relação à regulamentação do setor de 
comunicação no Brasil surgiram na década de 30, ainda com Getúlio 
Vargas. Os primeiros decretos apareceram nos anos de 1931 e 1932 e 
regulamentavam a operação dos sistemas de rádio. De lá para cá, o modelo
 que foi importado dos Estados Unidos permanece intacto: o governo 
brasileiro cede à iniciativa privada a exploração dos meios e a 
sustentabilidade do negócio se dá por meio de publicidade. Apesar de 
copiarmos o modelo, ficou faltando uma cláusula que proíbe a propriedade
 cruzada, que existe até mesmo na lei norte-americana. "Por ser uma 
linguagem de mercado controlada por empresários, há um bloqueio 
automático da produção independente e da pluralidade de vozes", destaca o
 jornalista e sociólogo professor em Comunicação pela UNB, Venício Lima.
As
 regras para conseguir operar uma concessão também já ficaram obsoletas.
 O Decreto nº 52.795 que regulamenta concessões de radiodifusão no país 
vigora desde 1963. Em 2012, o ministro das Comunicações Paulo Bernardo 
alterou o antigo decreto deixando os procedimentos licitatórios ainda 
mais rígidos para entidades com poucos recursos. À época, Paulo Bernardo
 declarou que "as novas regras têm como foco prestigiar quem é do ramo".
 Com a alteração, a outorga deverá ser paga à vista no leilão e não 
poderá ser parcelada, como anteriormente; Houve também a separação entre
 as outorgas de rádio, que ficam submetidas ao Ministério das 
Comunicações, e as outorgas de TV, que são responsabilidade do 
Presidente da República.
Para
 representantes do FNDC, o Fórum Nacional Pela Democratização da 
Comunicação, dentre as diversas demandas que precisam ser atendidas para
 que o setor seja regulamentado, a transparência é fundamental. Além de 
serem prejudicados pela falta de investimentos públicos em comunicação 
no país, não só movimentos sociais, mas também pequenos empreendimentos e
 meios alternativos sofrem com a falta de transparência e, 
principalmente, com a ausência de mecanismos de participação social 
(audiências e chamadas públicas) em relação às renovações e novas 
concessões.
Projeto de lei e os mecanismos para regulamentar as concessões
Distantes
 da lógica dos grandes grupos, movimentos socias e mídias alternativas 
ficam reféns da falta de verbas para a consolidação de emissoras que 
podem representar alternativas ao que a mídia tradicional já veicula. 
Visando resolver essa brecha, o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática defende
 o conceito de um instrumento que pode minimizar a complexidade e os 
custos após a aprovação da concessão no Congresso Nacional: é o conceito
 chamado de "Operador de Rede".
No artigo 7 – do cap. 3 – do Projeto de Lei, está previsto que "Caberá
 ao Operador de Rede organizar as programações das emissoras nos canais a
 ele outorgados pela Agência Nacional de Telecomunicações e assegurar a 
difusão dessas até a casa dos usuários em condições técnicas adequadas, 
bem como oferecer seu serviço às prestadoras de serviço de radiodifusão 
sonora e de sons e imagens, em condições justas, isonômicas e não 
discriminatórias".
Essa
 divisão de áreas dentro do processo de comunicação já vigora em alguns 
países da Europa. O professor da Escola de Comunicação da UFRJ, Marcos 
Dantas, explica o modelo: "É como se fosse a concessão de uma estrada. A
 empresa só é responsável por gerenciar o asfalto, quem tem o controle 
sobre os carros e ônibus que passam pela rodovia são outras pessoas"; 
Dantas é um grande defensor deste modelo previsto no Projeto de lei. Com
 a criação das empresas operadoras de rede, haveria uma divisão entre a 
produção de conteúdo e a montagem da estrutura que, por ser muito cara, 
inviabiliza que diversos movimentos sonhem em algum dia terem voz no 
espectro eletromagnético. "Se este modelo já estivesse em vigor, seria 
possível que, por exemplo, um segmento como os metalúrgicos do ABC 
pudesse ter o foco de seus investimentos apenas na produção de conteúdo e
 não ter de arcar com a estrutura", comenta Dantas.
O
 conceito de empresas com a função de Operador de Rede será ainda mais 
necessário com a chegada da TV Digital, que vai possibilitar a 
multiplexação, ou seja, a convergência de diversas programações 
diferentes em um só sinal. Assim, o professor Marcos Dantas, sinaliza 
que o detentor da concessão poderá trazer diversos grupos produtores de 
conteúdo, o que pode ser uma iniciativa positiva para a diversidade 
regional e a pluralidade de opiniões na televisão.
Para
 assegurar que haja uma divisão justa para diferentes segmentos da 
sociedade, a Constituição define a divisão do espectro radioelétrico em 
três partes: Sistema Público (para canais os comunitários e os públicos –
 como exemplo a TV Brasil); Sistema Privado (emissoras com fins 
lucrativos, como Globo, SBT e Record) e Sistema Estatal (para os canais 
das esferas do Estado, como a TV Justiça e TV Senado). O PLIP propõe que
 sejam divididos igualmente – um terço para cada tipo.
Com
 a divisão assegurada, o próximo passo é o financiamento, que também 
está comtemplado no projeto. A sugestão é que seja criado um Fundo 
Nacional de Comunicação Pública com a destinação de uma parte do 
recolhimento de um imposto já existente e também com o recebimento de 
verbas de propaganda dos governos federal e estaduais. 
A América Latina e os muitos passos à frente em relação ao Brasil
"A
 democratização da mídia é um jogo de poder hoje", pontua Beto Almeida, 
conselheiro do Diretório da TeleSur no Brasil. O jornalista ressalta a 
importância de um controle neste setor para o benefício da democracia e 
desmonta o mito da censura: "Falam tanto de censura, mas na Venezuela, 
mesmo com todas as iniciativas, nenhuma organização privada foi 
fechada", aponta Almeida.
A
 TeleSur é considerada uma iniciativa de destaque no continente e foi 
criada em 2005. Já tem correspondentes espalhados por toda a América 
Latina e também em países como Estados Unidos, Espanha, Inglaterra e 
África do Sul. Com a ausência de publicidade massiva, o jornalismo do 
canal resgata as regionalidades do continente e realiza a cobertura das 
pautas de pouco destaque nos veículos tradicionais, além de apresentar 
um contraponto nos temas que na grande mídia, geralmente, predominam uma
 só opinião. A exemplo disso, é destacada a cobertura recente do 
conflito em Gaza e a denúncia da TeleSur sobre os abusos do Estado de 
Israel frente ao povo palestino. Um viés muito diferente do que foi 
mostrado na BBC, comenta Beto Almeida. "Em todos os países que vou, eu 
assisto a Telesur", brincou o ex-presidente Lula referindo-se a 
iniciativa, que tem demonstrado relevante crescimento desde sua 
formação.
Recentemente,
 no Uruguai, o Sindicato de trabalhadores da construção civil (Sunca) 
também conseguiu uma concessão de radiodifusão graças à Lei de Meios, 
aprovada em dezembro do ano passado no país; Em fevereiro deste ano, os 
diretores do sindicato estiveram no Brasil para conhecer de perto as 
experiências formadas pela TVT e Rádio Brasil Atual.
Mesmo
 com semelhanças quanto à linha editorial dos veículos, ainda há a 
gigantesca diferença: um deles conta com o incentivo governamental 
quanto à regulamentação, enquanto o outro, ainda, tem que remar contra a
 maré em um cenário onde predominam impérios midiáticos sem nenhum 
respeito a uma concessão pública, que nada mais é do que uma propriedade
 do povo brasileiro
*Entre
 5 de agosto e 5 de outubro, data marcada para as eleições de 2014, o 
Barão de Itararé publicará, às terças e quintas-feiras, reportagens 
especiais abordando temas ligados à comunicação que, geralmente, são 
excluídos do debate eleitoral. A reprodução é livre, desde que citada a 
fonte. Saiba mais sobre a iniciativa aqui  .  
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