domingo, 24 de abril de 2022

Artigo de Flávio Dino: "Em defesa das leis e da paz"

Flávio Dino

EM DEFESA DAS LEIS E DA PAZ

Faz parte da arquitetura basilar das instituições brasileiras a busca da convivência pacífica entre as pessoas e do império da lei como critério de regência das relações sociais. No tripé organizacional do Estado, é o Judiciário que garante a execução desse modelo, uma vez que sem ele teremos violência generalizada, um “salve-se quem puder”, em que impera a lei do mais forte. O sistema de Justiça é o árbitro dos conflitos que surgem na vida em sociedade, e assegura que vivamos dentro das regras democráticas e civilizacionais.

Quando se trata do Judiciário, a Constituição Federal exige que ele seja apartidário e não se subordine a blocos de poder, em face da natureza de suas funções. Só existe realmente Judiciário quando ele possui independência, pois sem ela não é possível haver imparcialidade. E “juiz parcial” é qualquer coisa, menos verdadeiramente juiz. Ninguém aceitaria um árbitro de futebol usando a camisa de um dos times ou com medo da torcida invadir o campo e agredi-lo. Ou com receio de tocarem fogo no seu lar, com sua família dentro.

Ressalto que o Judiciário, no Brasil, foi responsável por dezenas de conquistas históricas, com a aplicação justa da lei. Cito, como exemplo, a atuação que garantiu a milhões de brasileiros ter seus direitos respeitados após o bloqueio da poupança instituído pelo desastrado Plano Collor (1990). Ou ainda quando o Supremo decidiu em favor dos aposentados rurais, determinando que o valor de um benefício de aposentadoria não pode ser inferior ao salário mínimo vigente no país. E afirmo que, não fosse o Supremo, a democracia teria sido atropelada por hordas extremistas mobilizadas no dia 7 de setembro de 2021.

Portanto, deve ser considerada uma afronta grave a toda a sociedade quando ministros do STF, guardiões da Constituição e das leis, são alvos de intimidações constantes. Principalmente quando as ameaças são oriundas de partícipes dos demais Poderes, a exemplo do presidente da República e de um deputado federal. Com efeito, isso significa que o Poder Judiciário não tem a garantia necessária para resguardar a autoridade da lei. Há ainda a força multiplicadora desse tipo de atitude imoral, uma vez que pode se espraiar por todo o país. Lembro que a lei existe justamente para evitar o vale tudo.

A decisão do Supremo acerca da condenação do deputado Daniel Silveira, por 10 votos contra 1, é importante pois reafirma que a liberdade de expressão não pode ser confundida com a perpetração de crimes e que a imunidade parlamentar não é escudo para bandidos. E para, além disso, ratifica que ameaças ao Poder Judiciário são, na verdade, riscos à existência do Estado Democrático de Direito e da paz social.

Assim, a edição de um decreto presidencial que supostamente “anula” a decisão do Supremo é a irresponsável proteção a um criminoso. É mais uma cópia mal feita do Trumpismo, nos Estados Unidos, que também concedeu indulto a um de seus aliados políticos. O ato de Bolsonaro, além de ser uma inaceitável e inédita afronta a 10 ministros do Supremo, é ilegal, pelas seguintes razões: 1) desvio de finalidade, uma vez que o ato administrativo, para ser válido, deve estar vinculado a uma finalidade de interesse público, não podendo atender a interesses pessoais do autor do ato, no caso proteger seu parceiro político; 2) violação ao critério dos motivos determinantes, posto que Bolsonaro alegou que a condenação de Daniel Silveira gerou comoção pública, uma fundamentação falsa para o decreto. Como o motivo objetivamente inexiste, o ato é nulo; 3) o procedimento legal para indultos, regrado pela Lei 7.210/84, não foi observado e a Constituição manda que os órgãos previstos em lei sejam ouvidos previamente à edição do indulto.

Reforço, uma vez mais, a necessidade de uma ampla união nacional a favor da Constituição, pois estamos todos assistindo, dia após dia, a exacerbação do belicismo do presidente da República contra as instituições garantidoras das leis e da civilização democrática. O silêncio ou cumplicidade de muitos, em 1964, resultou nas trevas da ditadura, que matou, perseguiu, exilou, censurou e abrigou ladrões e assassinos. Contra tais trevas, precisamos ter firmeza e coragem, empunhando bem alto a clava forte da Justiça, como cantamos no nosso glorioso hino nacional. Esse é o caminho da verdadeira paz social.

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