Por: Antônio Augusto de Queiroz*
Nas sociedades do mercado, as instituições e as políticas do Estado protegem a autoridade dos empresários nos negócios, garantindo-lhes prerrogativas como o auto-recrutamento nas elites corporativas e o controle sobre as políticas que consolidam a distribuição existente de renda e riqueza.
O mercado, regido por expectativas, não é percebido como variável sujeita à influência da política, mas como elemento fixo que determina as condições de formulação das políticas públicas.
Charles Edward Lindblom, no clássico artigo “The Market as Prison” (1982), destaca que o mercado possui poder único e automático de punição contra políticas governamentais que contrariem as expectativas.
Mercados atuam como “prisão”
Esse poder se manifesta de diversas formas, inclusive sob a forma de desemprego ou queda no desempenho econômico, o que limita a capacidade de mudança social e priva o processo de formulação de políticas de verdadeiro pluralismo.
Lindblom considera que os mercados atuam como “prisão” para a formulação de políticas, restringindo a capacidade de sociedade democrática realizar mudanças e reformas, e questiona a compatibilidade entre democracia plena e sistemas de mercado, dado o poder que este último exerce sobre a formulação de políticas.
No contexto do terceiro mandato do presidente Lula (PT), a relação entre mercado e governo tem enfrentado desafios significativos. A frustração das expectativas de mercados, aliadas à tática de deslegitimação utilizada por setores da extrema-direita, agrava a instabilidade política e econômica.
A compreensão dessa dinâmica é essencial para enfrentar esses desafios e construir ambiente de cooperação entre as partes, preservando os princípios democráticos e a estabilidade econômica.
Para compreender melhor esse processo, que em muitos casos aprisiona as políticas governamentais, apresentamos a seguir tabela ilustrativa das diferenças entre as lógicas de atuação do mercado e do governo:
TABELA 1: LÓGICA DE FUNCIONAMENTO DO MERCADO E DO GOVERNO
Sistemas de comando e incentivos
Essa interação revela que, enquanto os altos funcionários públicos são controlados por sistemas de comando e devem prestar contas à sociedade e ao sistema político, os empresários são movidos por incentivos e reagem às mudanças percebidas como ameaças à sua motivação econômica.
Outro aspecto relevante é a distinção entre os setores estatal e privado. Essas diferenças vão além da área de atuação e permeiam os princípios, motivações e valores que regem cada 1. A tabela a seguir detalha essas diferenças:
TABELA 2: DIFERENÇAS ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO
Maximizar eficiência e retornos; equidade e necessidades coletivas
Enquanto o setor privado busca maximizar eficiência e retornos financeiros, o setor público atua para garantir a equidade e atender às necessidades coletivas.
Essa diferença também se reflete nos marcos legais que regem suas atividades: o setor privado tem maior liberdade para agir, desde que respeite os limites impostos pela legislação, enquanto o setor público só pode agir dentro do que está estritamente autorizado pela lei.
A relação entre governo e mercado, portanto, é marcada por tensões inerentes às suas respectivas lógicas distintas. De um lado, o mercado demanda previsibilidade e incentivos; de outro, o governo busca atender às demandas da sociedade, muitas vezes impondo regulações para assegurar equidade e justiça social.
Esses objetivos contrastantes exigem equilíbrio e diálogo constante para evitar conflitos e promover ambiente que favoreça o desenvolvimento econômico com inclusão social.
Setores são complementares
Por fim, é essencial reconhecer que ambos os setores são complementares. Enquanto o mercado impulsiona a inovação e a geração de riqueza, o governo desempenha papel regulador e redistributivo e de incentivo e planejamento fundamentais para garantir que o crescimento econômico seja acompanhado de progresso social e ambiental.
O diálogo constante em busca de consenso mínimo, com transparência e sem ruídos, é fundamental para esse equilíbrio, sob pena de o mercado ter suas expectativas contrariadas ou frustradas e acionar seus mecanismos de defesa, que podem prejudicar toda a sociedade.
É assim que devem funcionar o governo e o mercado nas democracias.
(*) Jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. É sócio-diretor da empresa “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais”, foi diretor de Documentação do Diap e é membro da Câmara Técnica de Transformação do Estado, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, e do Cdess (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável) da Presidência da República - Conselhão.
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