terça-feira, 26 de novembro de 2019

Artigo de Mario Macieira: "Partidos paramilitares e sua incompatibilidade com a democracia"

Mário de Andrade Macieira.
Advogado, Ex-presidente da OAB/MA, Professor da UFMA.

Semanas atrás escrevi um pequeno texto sobre a morte da democracia por vias democráticas. Hoje nos deparamos com o anúncio de que o novo partido a ser criado pelo Presidente da República e dirigido por ele mesmo e por seus filhos, terá o lema “Deus, Pátria e Família”, o mesmo lema da Ação Integralista Brasileira, vertente nacional do fascismo, da década de 1930.
Além do tema de fortes traços fascistas, o novo partido “Aliança pelo Brasil” foi lançado com um logotipo formado por balas de diversos calibres numa clara referência à liberação generalizada do uso das armas. Pra completar, a notícia de que o número do partido será 38, numa alusão ao calibre do revolver. Esse número já estaria reservado para um tal “Partido Militar”, de aliados do Presidente da República, que aceitaria ceder o número e passaria a usar o número 64, em alusão ao golpe de estado que levou o Brasil a um período de 21 anos de ditadura militar.

A questão que quero levantar é a seguinte: pode a democracia brasileira permitir o registro e o funcionamento de partidos fascistas e claramente defensores de uma organização paramilitar, que defendem a tortura, a execução dos adversários políticos, o fechamento do Supremo Tribunal e a violação de cláusulas pétreas da Constituição?

Parto do pressuposto de que nenhum direito é absoluto. Muito embora um dos fundamentos da República seja o Pluralismo Político (art. 1º, V da CF.), não é compatível com a ordem constitucional democrática, a existência de partidos políticos que ameaçam o próprio pluralismo, defendendo que, por exemplo, os adversários políticos sejam presos ou deixem o Brasil, coisas que frequentemente aparecem no discurso do Presidente, dos seus filhos e de vários dos seus aliados e auxiliares diretos.
Na mesma esteira, a Constituição determina a liberdade da associação, mas veda o seu caráter paramilitar (art. 5º, XVII).

No Texto Constitucional, o mais significativo dispositivo para a análise do caso da criação desses partidos, que baseados na apologia da violência política como método de enfrentamento aos adversários ameaçam a democracia, é o art. 17: “É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos.”

Portanto, a liberdade de criação de partidos está constitucionalmente limitada ao fato de que os estatutos e programas partidários, bem como suas práticas e sua ideologia, não podem ameaçar o regime democrático e os direitos fundamentais da pessoa humana.

Partidos que explicitamente defendem o retorno ao regime ditatorial, lembremos a defesa de um “novo AI 5”, a tortura e a tentativa de criminalização dos partidos de esquerda, que nem é disfarçada pelos próceres dessas pretensas organizações partidária, de saída já representam violação da Constituição.

Neste espaço não cabem maiores digressões teóricas sobre o tema, porém vale lembrar que seu Curso de Direito Constitucional Positivo, ao falar sobre os condicionamentos da liberdade partidária, José Afonso da Silva já ensinava que: “

Não é porem absoluta a liberdade partidária. Fica ela condicionada a vários princípios que confluem, em essência, para seu compromisso com o regime democrático no sentido posto pela Constituição (...) É o que significa sua obrigação de resguardar a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentas da pessoa humana. (9ª Ed., p. 353)”

Portanto, é fora de dúvida, ser inadmissível a criação de Partidos que defendem abertamente ideologia antidemocrática, que não resguardam nem o regime democrático, nem os direitos da pessoa humana e que ainda querem a eliminação dos partidos e ideologias adversárias, ameaçando o pluralismo político e a soberania nacional.

Os novos partidos em processo de criação, baseados em teses antidemocráticas representam uma perigosa ameaça à própria democracia e tentam, mais uma vez, valer-se de instrumentos democráticos, no caso a liberdade de organização partidária, para violentar a democracia.

Nesse sentido, ao verificar as condições legais para o registro e o funcionamento desses novos partidos, a Justiça Eleitoral tem que verificar não só os condicionantes formais como o caráter nacional, a proibição de recebimento de recursos financeiros de entidades ou governos estrangeiros ou de subordinação a estes e o funcionamento parlamentar conforme a Lei. Mas também se os seus programas, estatutos e ideologia respeitam as condicionantes materiais de respeito à soberania nacional, ao regime democrático, ao pluralismo partidário e, principalmente,  aos direitos fundamentais.

Por fim, vale destacar o § 4º do art. 17: “É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.” A alusão ao calibre de um revolver, a placa com logotipo feito de balas, de um, o nome de “Partido Militar” e o uso do número 64 do outro, estão a anunciar que essas organizações se preparam para adotar organização paramilitar, além de fazerem clara apologia da ditadura, à tortura, à eliminação de adversários e a defesa da execução sumária de supostos criminosos. Incompatível com o regime democrático e com o art. 17 da Constituição a existência de tais partidos políticos.

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