quinta-feira, 26 de maio de 2016

Artigo: 'José Serra afasta o Brasil da América Latina'

Serra 'bom bom de alho'

As recentes notas do Itamaraty, o pedido de estudo de custo de postos diplomáticos abertos nos governos Lula e Dilma na África e no Caribe nos últimos anos e o discurso de posse do novo ministro interino das Relações Exteriores, José Serra (PSDB) demonstram que, em menos de uma semana, o governo interino de Michel Temer quer mudar a política externa brasileira, com uma mensagem clara de que esse novo caminho será como tinta nova em parede velha. 


Será o “requentamento” de tradicionais e conservadores discursos do Itamaraty, o retorno às relações de subordinação para com as grandes potências, em especial os Estados Unidos, e a tentativa de acabar com a nova política externa iniciada com Lula, ativa e altiva, que projetou o Brasil no mundo nos últimos 13 anos.


O ministro José Serra e o governo Temer desconhecem que os blocos de integração Mercosul e Unasul, assim como a própria OEA (Organização dos Estados Americanos), possuem cláusulas democráticas, assinadas por todos os países, inclusive pelo Brasil, e que orientam a todos seguirem as regras da democracia. São dispositivos necessários, porque vivermos num continente onde vários países já sofreram com longos e conturbados períodos de ditaduras civil-militares no passado. Como não foi provado nenhum crime de responsabilidade contra a presidenta Dilma Rousseff nas comissões instauradas na Câmara e no Senado, os vizinhos latinos e blocos regionais não tiveram alternativa a não ser rechaçar os processos que não respeitem a ordem democrática e o Estado de direito.

Dias após o seu primeiro discurso, Serra debutou como chanceler em solo estrangeiro, e escolheu a vizinha Argentina para sua primeira visita oficial. Ele já havia adiantado, no discurso, que os dois países “compartilham referências semelhantes sobre a reorganização da política e da economia”, em clara referência às semelhanças entre os projetos políticos dos presidentes Temer e Mauricio Macri.

Já em sua chegada, na noite de domingo (22), o ministro interino foi recebido por centenas de bolinhas de papel de manifestantes brasileiros e argentinos, que protestavam na frente da sede da embaixada brasileira em Buenos Aires.

Serra se encontrou com a chanceler argentina Suzana Malcorra, o ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay, e o presidente Mauricio Macri. Entre os temas discutidos estão o futuro do Mercosul e os acordos comerciais do bloco. O chanceler interino apresentou a proposta de “atualizar” o organismo e flexibilizar os acordos, para que o Brasil possa fazer parcerias bilaterais com terceiros países.

A Venezuela também foi tema de conversação. Se espera que Serra seja mais um duro inimigo do governo de Maduro, contra o qual já emitiu nota a respeito das declarações do mesmo sobre o afastamento de Dilma Rousseff, por chamar o processo de “golpe blando”.

Desmonte da diplomacia de Lula
Por outra parte, o provável fechamento de embaixadas e consulados em países da América Latina e África demonstram uma clara motivação política por parte do governo interino. Boa parte do corpo diplomático do Itamaraty afirma que isso não resolveria os problemas de verbas do MRE. As embaixadas pequenas e consulados em países latino-americanos e africanos, por exemplo, são dez vezes mais baratas que as embaixadas europeias, como a de Lisboa, e trinta vezes menos que a de Washington.

O pacote de propostas do ministro José Serra já é conhecido pelos brasileiros. Sua carga ideológica é a mesma que se observa no programa oferecido pelo candidato Aécio Neves em 2014 com relação à política externa: um tom crítico à diplomacia nos governos de Lula e Dilma e à imagem do país no cenário internacional.

Aquele programa já trazia palpites de Serra e a visão do PSDB sobre a integração regional, nos moldes do “regionalismo aberto” dos Anos 90, com a retomada de uma maior liberalização comercial entre os países que compõem o Mercosul, e também maior flexibilidade do bloco em realizar acordos com outros países e outros blocos fora da região. Aécio, afirma em seu plano de governo que “devem merecer atenção especial a Ásia, em função de seu peso crescente, os Estados Unidos e outros países desenvolvidos, pelo acesso à inovação e tecnologia”.


Com relação ao Mercosul, a postura do candidato derrotado era de desconfiança. Ele afirmava que o bloco está “paralisado e sem estratégia”, e apresentava como diagnóstico uma retórica, sem apresentar medidas concretas, defendendo a necessidade de “recuperar os objetivos iniciais e flexibilizar as regras, a fim de poder avançar nas negociações com terceiros países”.

Há de se concordar com o fato de que a política externa de Dilma não foi atuante como a do governo Lula (2003-2010). Porém, uma política ruim não justifica uma pior ainda para o país. Com a mensagem de que quer apresentar os “delineamentos da nova política externa brasileira”, as medidas tomadas pelo ministro Serra serão como uma pintura nova em parede velha: o retorno às relações de subordinação para com as grandes potências, principalmente os Estados Unidos, e a diminuição do Brasil como país necessário para um sistema internacional menos desigual e mais democrático.

*Chico Dênis é mestrando pelo Programa de América Latina da USP – Prolam/USP e bacharel em Relações Internacionais e Integração da primeira turma da Unila

Alexandre Andreatta é mestrando pelo Programa de Integração Contemporânea da América Latina da Unila e bacharel em Relações Internacionais e Integração da primeira turma da Unila
Fonte: Rede LatinAméric

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