terça-feira, 2 de junho de 2020

Opinião de Régina Galeno: "Medida Provisória 934/2020: os limites temporais e as possibilidades de convalidação do ano letivo"

Régna Galeno é Pedagoga e conselheira no Conselho Estadual de Educação no Maranhão


Com o intuito de tornar mais evidente a importância do tema examinar-se-á os limites temporais da medida provisória editada, em 1 de abril de 2020, pelo Presidente da República, cotejando-a com uma situação concreta, qual seja a suspensão da exigência do cumprimento dos duzentos dias letivos no calendário escolar nas escolas brasileiras em virtude da pandemia COVID-19.


Deixe-se assentado, no entanto, que o raciocínio aqui desenvolvido não consiste em nenhuma análise jurídica, embora seja válido e sabido que o entendimento do assunto, mesmo em senso comum, será necessário para compreender que os efeitos da medida provisória não aprovada em forma de lei, porém não rejeitada expressamente pelo Congresso Nacional, produz efeitos jurídicos imediatos por sessenta dias, prorrogáveis, contabilizando cento e vinte dias. Neste caso, terá prazo de vigência estendido até 1 de agosto de 2020. O Diário Oficial da União, de 28 de maio do corrente ano, publicou ato do presidente da Mesa do Congresso Nacional, que consiste em prorrogar pelo período de sessenta dias a Medida Provisória 9394/2020, em cumprimento ao disposto no § 7º do art. 62 da Constituição Federal. Ou seja, a referida Medida Provisória está na iminência de ser convertida em lei, assim torcemos. Desse modo, poderá produzir efeitos jurídicos futuros duradouros, caso o Congresso Nacional a converta definitivamente em lei ordinária.

 

A fim de melhor ilustrar estes efeitos nos calendários escolares, cumpre tecer assertivas, sobre as quais nos arriscamos, conforme seguem expostas:

 

  • A Medida Provisória tem efeitos imediatos, mas caso não seja convertida em lei o Parecer CNE/CP nº 5/2020, ainda aguardando homologação pelo MEC, não assegurará a dispensa da observância dos dias letivos;

 

  • Ainda que seu prazo tenha sido prorrogado, não terá cobertura de vigência sob todo o ano letivo, seus efeitos não poderão ser aplicados para totalização do calendário letivo;

 

  • Mesmo considerando a autonomia dos Sistemas de Ensino, estes não podem superar a exigência do cumprimento dos dias letivos sem uma lei nacional;

 

  • O Parecer CNE/CP nº 5/2020 não ratifica a Medida Provisória.

 

O instituto da medida provisória parece antes providência imprescindível para viabilizar o adequado enfrentamento da conjuntura instável causado pelas consequências da epidemia na educação brasileira. A história recente já nos remete à gripe espanhola de 1918 no Brasil. A doença causada pelo vírus H1N1 levou à morte ao menos 17 milhões de pessoas em todo o mundo. Os parlamentares aprovaram projeto de lei com a aprovação automática de todos os estudantes, sem necessidade de exame final. A lei entrou em vigor e de fato nenhum aluno foi reprovado em 1918. Sem os ditames de produzir educação comparada, só queremos nos reportar a questão, para demonstrar que tendo como referencial uma pandemia a educação foi flexionada legalmente de modo a atender à circunstância emergencial da época. (1)

 

Entende-se que, se não houver norma específica sobre o tema, prevalecerá a LDB/96, portanto a Medida Provisória deve ser convertida em lei, para que possa ser ela a regente da matéria. Só desse modo, a excepcionalidade, poderá ser disciplinada com efeitos pretéritos e futuros. Essa situação é excepcionalíssima, não foi prevista e é urgente. Essa atipicidade, justifica a adoção de medidas resolutivas imediatas e pontuais, com efeitos restritos a questão a ser normatizada. A Medida Provisória não reportou ao Conselho Nacional de Educação a tarefa de criar ou regulamentar nesse capítulo específico. Desse modo, o ponto fulcral a ser analisado, sob a ótica do âmbito temporal de validade e de eficácia da referida Medida Provisória, diz respeito a que seja convertida em lei o ato legislativo, a fim de que possa regular o ato jurídico dela decorrente.

 

Registre-se que, até a presente data, a mencionada Medida Provisória não foi convertida em lei, nem o Congresso Nacional disciplinou as medidas dela decorrentes, nos termos do parágrafo 3º, art. 62 da Constituição Federal/98. Em face desse quadro, preocupa-nos a medida convalidadora a ser praticada com base na Medida Provisória, considerando o período de vigência da mesma não apreciada pelo Poder Legislativo, a saber a não obrigatoriedade do cumprimento dos 200 dias letivos, restringindo-se à obrigatoriedade da carga horária.

 

Desse modo, o próprio CNE se remete às medidas de flexibilização da carga horária contida na Medida Provisória que devem ser de tal ordem matéria de objeto específico da MP nº 934/2020, na medida em que o CNE atua dentro dos limitadores legais da educação nacional e respeita a autonomia dos entes federados e sistemas de ensino. (2)

 

Adicionalmente, deve ser enfrentada a possibilidade de longa duração da suspensão das atividades escolares presenciais por conta da pandemia da COVID-19 que poderá acarretar dificuldade para reposição de forma presencial das aulas suspensas ao final do período de emergência, com o comprometimento do calendário letivo de 2020 e seguintes.

 

A questão que se põe, diz respeito ao paradoxo lógico, vinculado à esfera temporal de validade da norma: a perda de eficácia da publicação da Medida Provisória tem como pressuposto a validade da Reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da pandemia da COVID-19, com interferência direta no cômputo dos dias letivos.

 

Logo, a perda de eficácia da Medida Provisória está ligada aos efeitos temporais reais produzidos para o cômputo do ano letivo como conclusão óbvia, tem-se que a Medida Provisória contém norma de uma conduta nova, ou seja, fixadora de um novo parâmetro, uma vez que esta produz efeitos que podem ser desconstituídos com a perda de sua eficácia.

 

Reprise-se, no entanto, que medida provisória convertida em lei deixa, obviamente, de ser medida provisória para tornar-se lei, portanto, todas as considerações aqui expostas, perdem a motivação, evidentemente, com a edição da lei que tenha surgido como resultado de sua aprovação.

 

A conclusão necessária a que se deve chegar será no sentido de que, enquanto não for convertida em lei a Medida Provisória que institui a não obrigatoriedade do cumprimento dos dias letivos e os efeitos decorrentes dela não incidentes sobre a LDB/96, será impossível computar a redução dos dias letivos no seu tempo de vigência para todos os fins. Neste caso, aplica-se a regra inserida no parágrafo 6º do art. 62 da Constituição Federal, que determina a perda da eficácia desde sua edições. 

 

Um comentário:

  1. Muito importante que a lei seja aprovada logo. Excelente contribuição o debate!

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